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Delírio do Moscardo

"devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo." José Luís Peixoto

Delírio do Moscardo

"devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo." José Luís Peixoto

29.Jul.12

O Desempregado Com Filhos

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão.

Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.

Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta.

Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.

Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça.

Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.

 

Gonçalo M. Tavares, O Senhor Brecht

26.Jul.12

Débil existência

   Em curta entrevista à Visão, Diogo Infante fala-nos da peça Preocupo-me, Logo Existo!, um regresso ao universo de Eric Bogosian, que está em cena no Cinema São Jorge, em Lisboa.

 

Nós, de facto, preocupamo-nos pouco - logo, existimos pouco. A última personagem é um homem comum que tenta legitimar a sua existência numa sociedade que nos impõe modelos de funcionamento que acabamos por adoptar como nossos, sem os questionar.

 

   De facto, é uma existência ligeira. Mas por nos preocuparmos pouco ou por apenas nos preocuparmos?

25.Jul.12

Coerência Política

   Há pouco mais de uma semana, Paulo Portas, líder do CDS e ministro dos Negócios Estrangeiros, alertava que um membro do Governo não deve entrar em polémica com o presidente do Tribunal Constitucional. Hoje, enviou uma carta aos militantes do partido a afirmar que o mesmo tribunal coloca um problema que o país dispensava. É sempre bom assinalar a coerência da classe política dominante. Talvez tenham sido os ares da Madeira.

25.Jul.12

Empreendedorismo Como Salvação

   Vale a pena ler a crónica Igreja Universal do Reino do Empreendedorismo, de Ricardo Araújo Pereira:

 

O leitor não tem dado atenção aos gurus do empreendedorismo. Está a ler isto, em vez de estar a empreender. Prepara-se para ficar mais de dois minutos sem inovar. Borrifa-se despudoradamente na competitividade. Que se passa? Não ouviu os sacerdotes do trabalho? Não se sentiu inspirado pelas palestras de motivação? Se calhar, não fala empreendedorês. Não recebeu inputs, perdeu a oportunidade de desenvolver o know-how e agora não consegue dar feedback. Não tem drive nem mindset de mercado para abordar um cluster de empresas e mostrar-lhe os seus skills técnicos. Impressionante, a sua incúria.

 

Nutro um grande fascínio pelo mundo do trabalho, até porque nunca tive um emprego a sério. Por isso, foi com muito agrado que me dediquei a ouvir os novos guias espirituais do empreendedorismo, da inovação e da competitividade. Posso fazer-lhe um resumo. O leitor quer singrar? Seja empreendedor. Pronto, começam as objecções. O leitor, com a sua costumeira impertinência, acha que, uma vez que empreender é sinónimo de fazer, sugerir a quem não sabe o que fazer que empreenda acaba por ser igual a coisa nenhuma. Calma. Há que educar o gosto para este tipo de aconselhamento. O leitor ainda quer singrar? Então, inove. É outro truísmo? É mais fácil falar em inovação do que ter, de facto, ideias inovadoras? Mau, mau. Começo a aborrecer-me com a resistência do leitor. Deixe-me continuar a analisar o pensamento destes profissionais cujo trabalho é recomendar ao leitor que trabalhe.

 

Primeira ideia: é preciso chegar mais cedo ao emprego e sair mais tarde. Dito assim, parece pouco, mas o conselho tem de ser dado aos gritos, em pose dinâmica e empreendedora. O leitor fará o favor de imaginar que tenho o punho dramaticamente cerrado e a veia do pescoço saliente: é preciso chegar mais cedo e sair mais tarde. Vê como impressiona? E é uma ideia verdadeiramente inovadora. Há poucos dias saíram na imprensa dois testemunhos de um rapaz e uma rapariga portugueses que tinham tido uma experiência de trabalho no estrangeiro. Ela, nos Estados Unidos; ele, na Alemanha. Ambos se apresentaram ao trabalho antes dos colegas e saíram depois - para mostrar serviço. Ambos foram chamados ao director. O rapaz da Alemanha foi intimado a respeitar o horário de trabalho, porque há uma coisa chamada "lei" (eu também nunca tinha ouvido falar) e porque, no entender da administração daquela empresa, quem não conseguia fazer o seu trabalho a horas estava a fazê-lo mal. À rapariga dos Estados Unidos, foi-lhe comunicado que iria passar a estar debaixo de olho, porque quem fica no trabalho até tarde são, normalmente, as pessoas que se dedicam à espionagem industrial. Veja como o conselho dos novos gurus, estando em linha com a mentalidade chinesa, representa um corte com a prática ocidental. Parece que eles, lá na civilização, dividiram o dia em três partes: uma para trabalhar, outra para dormir e outra para o lazer. E é assim que se organizam, os estúpidos. Dizem que o lazer, de que os nossos gurus têm nojo, até faz movimentar uma indústria de milhões. Mesmo assim, na Alemanha e nos Estados Unidos ninguém diz às pessoas para chegarem mais cedo e saírem mais tarde do lazer. Eles sabem que isso seria tão idiota como pedir-lhes para chegarem mais cedo e saírem mais tarde do emprego.

23.Jul.12

As Palavras do Bispo

   D. Januário Torgal Ferreira foi fiel ao seu estilo, na entrevista que deu. O problema foi o método utilizado. Ao abordar a questão duma forma genérica, afirmando que este governo é profundamente corrupto, que conclusões podemos tirar do seu discurso? Todos os elementos do governo são corruptos? Só alguns? Quais são? Estamos a falar de 1 primeiro-ministro, 11 ministros, e 35 secretários de estado. Há, subjacente, um certo de radicalismo nas palavras do bispo que deve ser evitado: pelo cargo que ocupa, pela falta de concretização das acusações e por uma certa desculpabilização do governo anterior, que muito contribuiu para o estado actual do país e para a eleição deste executivo. A crítica política não deve ser baseada em acusações espontâneas. Caso contrário, torna-se banal e inconsequente.

18.Jul.12

Selvajaria no Mali

   Tal como sucedeu em 2001, no Afeganistão, onde talibãs destruíram os budas gigantes de Bamyian, no Mali assiste-se a cenário semelhante. Depois de um golpe de estado que deixou o país à mercê de fundamentalistas islâmicos, estão em risco, tendo algumas já sido destruídas, diversas relíquias e mausoléus com séculos de existência, Património da Humanidade. Conceito desconhecido dos radicais.

Os homens nunca fazem o mal tão completamente e alegremente como quando o fazem por convicção religiosa.

Blaise Pascal
 
 
 
16.Jul.12

Um Admirável Mundo Velho

   De um lado, temos um reitor que assina por baixo uma licenciatura forjada e é promovido a um cargo recém-criado, na mesma instituição. Agiram bem em não demiti-lo. Era mais um no desemprego. Do outro, temos um ministro, número dois do governo, que, depois de pressionar jornalistas, mentir no Parlamento e obter a licenciatura forjada, mantém-se no cargo com toda a naturalidade do mundo.

   O terceiro mundo não é geográfico, é comportamental.

 

 

 

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