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Delírio do Moscardo

"devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo." José Luís Peixoto

Delírio do Moscardo

"devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo." José Luís Peixoto

24.Jan.13

Refu(n)didos

     Já sabemos o que pretende o governo com o relatório do FMI. Expor medidas que pretende implementar, seja por não ter coragem de as apresentar directamente, por aparentar ponderação ao enveredar por apenas algumas ou para alinhar no velho espírito bacoco de que o que vem de fora é bom.
     Na realidade, tudo o que é apresentado no relatório é falacioso, o que devia ser surpreendente, vindo de uma instituição tão preponderante a nível global. Começa pela premissa errada: não se trata de uma discussão sobre o papel do Estado Social, trata-se sim de como cortar 4 mil milhões de euros na despesa pública. Fá-lo usando dados incorrectos, vagos e desactualizados em valores do orçamento de estado, no conceito de forças de segurança, nos salários médios dos trabalhadores do privado vs trabalhadores do Estado, nos valores das pensões. E mais: não tem em conta o imenso atraso educacional que Portugal teve que reduzir nas últimas décadas, não se preocupa em resolver problemas de gestão no seio de organizações estatais, sugere um peso excessivo da função pública, em relação a outros países europeus, sem ter em conta as funções do Estado que temos, e despreza o efeito recessivo e social que o despedimento de dezenas de milhares de funcionários públicos geraria.

     Ao contrário do que foi sugerido, o relatório não põe a nu muitas das nossas deficiências. Pela simples razão de que isso implicaria ter havido um estudo exaustivo prévio da sociedade e burocracia portuguesas, e não uma descarada exposição de ideologia ultraliberal alinhavada por uma duvidosa análise numérica. Isto vale zero. Ainda assim, merece a nossa atenção. Quanto mais não seja para chegar a esta conclusão.

13.Jan.13

Fanatismo e Literatura

     Não escrevo sobre as reacções fanáticas e fúteis desta semana. As redes sociais, dentro de tudo o que possibilitam, ajudaram a dar voz a alguns ignorantes. Ainda assim, a questão do fanatismo é importante porque, analisando bem o tema, sempre foi incontornável na sociedade: mais antigo que qualquer clube, pensamento político ou religião é, a nível lógico, completamente independente da própria crença defendida, podendo qualquer pessoa ser fanática seja do que for. É uma daquelas características primárias que surgiram com o despertar da consciência humana e nunca desapareceu.
     Amos Oz, escritor israelita e auto-intitulado especialista em fanatismo comparado, define-o como um gene do Mal, a necessidade de querer impor a sua vontade aos outros, sendo incapaz de ter um olhar autocrítico. Surge naturalmente, no seio da família e por influência do meio em que se cresce e, por ficar tão enraizado, torna-se especialmente difícil de combater. A questão israelo-palestiniana sempre se assomou como um conflito de resolução complexa, pelas questões religiosas e culturais que envolve, e pela duração secular que tem. E no entanto, se removermos toda a camada densa de aparência que a circunda, verificamos que se reduz a uma questão territorial, motivo pelo qual já se mataram, matam e matarão milhões de pessoas. Parece ficar mais simples de resolver.

 

   No final do texto "Da natureza do fanatismo", Amos Oz sugere a literatura (apenas alguma) como forma catártica de ultrapassar o fanatismo: Sha­kespeare, Gogol, Kafka. E acrescenta:

 

Nenhum homem é uma ilha, disse John Donne, mas atrevo-me humildemente a acrescentar: nenhum homem e nenhuma mulher é uma ilha, mas cada um de nós é uma península, com uma metade unida à terra firme e a outra a olhar para o oceano - uma meta­de ligada à família, aos amigos, à cultura, à tra­dição, ao país, à nação, ao sexo e à linguagem e a muitas outras coisas, e a outra metade a desejar que a deixem sozinha a contemplar o oceano. Penso que nos deviam deixar continuar a ser penínsulas.

06.Jan.13

Ano Novo, Vida Velha

 

     Num ano que se vaticina de empobrecimento social, luta política e recessão económica, há certos prognósticos que são certos. Seja em números de desemprego, défice ou dívida pública, apenas se espera o falhanço completo de previsões do governo. Será interessante perceber onde tentarão cortar (de novo) na despesa, depois de tal acontecer. A margem para aumento fiscal esgotou-se há algum tempo, e a reacção social pode tornar-se violenta, caso insistam na mesma solução. A inexistência de alternativas é tão desoladora, que não se vislumbra qualquer desejo popular na convocação de eleições antecipadas. Isto porque conhecemos os graves erros cometidos no passado, sabemos da severa responsabilidade do PS na corrente situação do país. Só este facto explica a continuação deste executivo em funções. No seu seio, a figura de Miguel Relvas é de importância vital, porque serve de escudo a Passos Coelho, porque chama a atenção pública em seu redor, desviando-a de questões importantes, que mereciam discussões aprofundadas. Este será continuamente desgastado até à sua substituição, tal como Vitor Gaspar, dando o governo a ilusão de uma face renovada para o exterior e talvez mais espaço de manobra. Infelizmente, nessa fase, já vários atentados terão sido feitos à economia, saúde e educação; danos que serão irreversíveis e deixarão marcas profundas durante décadas.

     Medidas como a taxação de transacções financeiras, cortes nas despesas do pessoal político, a possibilidade de compra de dívida pública por parte dos cidadãos vão sendo ignoradas. Por estupidez, ideologia ou vassalagem a poderosas instituições financeiras.