O Mentor
Há uma linha muito ténue entre ser influenciado e ser manipulado. A diferença é a liberdade de escolha...
No seu último filme, Paul Thomas Anderson aborda a consciência humana, ao nível da percepção e memória. Freddie Quell é um veterano da 2ª Grande Guerra, com distúrbios mentais, que deambula de emprego em emprego, tentando integrar-se numa nova sociedade que pouco lhe diz. Pelo caminho encontra Lancaster Dodd, o carismático líder da Causa, uma espécie de seita religiosa, envolta em polémica, e que desafia alguns dos mais concretos dogmas da ciência moderna. Freddie torna-se acólito, e aceita submeter-se a um tratamento sugerido por Dodd, que aproveita para praticar alguns dos métodos que professa. Há uma dinâmica interessante entre ambos. Um é uma força descontrolada e irracional, que abunda em imprevisibilidade. O outro é sereno e magnético, apologista do autocontrolo. A relação de mentor/discípulo que se desenvolve não é linear. O líder da Causa parece, apesar do seu esforço, deixar-se influenciar pelo comportamento errático e impulsivo do seu pupilo, acabando por transparecer algumas falhas de carácter e incoerências nos ensinamentos que apregoa.
Não obstante a forte ligação entre ambos, cada um segue o seu caminho. Numa visão final que roça o onírico, Dodd é bem sucedido na expansão do seu culto; Freddie liberta-se da influência do Mestre, vendo restaurada a sua liberdade de escolha, mesmo que seja para falhar constantemente na vida. O seu carácter bestial e indomável retém o que de mais puro há na existência humana, evitando um destino de submissão.
E o enorme navio prossegue, deixando um rasto de águas agitadas... uma espiral de espuma e sal.