"devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo."
José Luís Peixoto
"devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo."
José Luís Peixoto
II
O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no Mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas (...)
Acordei aturdido pela alvorada
Abalroado por raios de sol
Ainda caem em mim bátegas
De uma qualquer nuvem perdida
O campo de silvas e dor
em que tinha adormecido,
Estava agora transformado
Num vasto prado de esperança.
Sobes, sôfrego, o desfiladeiro, Cortas o ar com a respiração, Sentes o espírito abandonar o corpo, Cantas, em desespero, uma última canção.
Palavras erguidas, umas não ditas, Ignoradas, enxotadas, dispersas, vãs... Abolidas no fio do tempo, Numa gruta sem dimensão.
Mate-se a alma deste inútil! É um vagabundo sem destino, Néscio, bruto e crápula, De moral entorpecida, Mas com remorsos sufocantes, Clama por um amor perdido.
Relembro cada carícia tua, Cada olhar penetrante, Cada curva do teu corpo, Com uma minúcia arrepiante. É um vislumbre de vertigem, Uma torrente de memórias, Incansável e sedenta, Repercutida com acinte Pelo inclemente eterno.
Um triste rapaz entra num antiquário, Memórias boas e más, expostas em prateleiras, Por que não se liberta das más, pergunta ao dono, Diz este: "As boas fazem-nos voar, mas as más impedem que nos despenhemos."
Há no teu rosto, marcas indeléveis, de amarguras passadas de agruras sumidas Chora à vontade, meu amor, Seco-te as lágrimas com beijos Lavo-te a face com as minhas.